O REI QUE VENDIA PANELAS

Novo Projeto

O rei que vendia panelas

Capítulo I

Castelo do Rei James II, Noruega, no ano de nosso senhor de 1317.

A senhora do castelo estava atarefada com seus bordados, sentada na sala das tapeçarias juntamente com outras damas da corte, quando ouviu o som das trombetas, indicando que o rei, o príncipe, os cavalheiros e demais soldados que o acompanhavam estavam de volta, após terem ficado três meses ausentes do lar em uma incursão militar. Ela levantou e foi postar-se no parapeito da janela para ver a entrada do séquito quando seus olhos se depararam com o rei, deitado dentro de uma carroça, puxada por dois cavalos atrelados lado a lado. O coração de Mariane disparou forte dentro do peito e ela, levantando a barra do vestido, pôs-se a correr igual uma louca pelos corredores do castelo, até alcançar o átrio.

- O que houve com o meu marido, Jonathan?

Jonathan Wesley, quinto Barão de Eagletown, olhou para a rainha e falou com a voz pausada e triste.

- Uma grande infelicidade, minha senhora. O rei está gravemente ferido.

- Que tipo de ferimento? Espada?

- Não, majestade. Estávamos voltando da fronteira norte quando fomos atacados por uma tigresa e o rei, num ato de extrema bravura, arriscou a própria vida para salvar ao príncipe, atraindo a atenção do animal para longe dele, permitindo, assim, que nós o matássemos.

- Uma tigresa! E onde vocês estavam caçando? Nas florestas da Índia por um acaso?

Jonathan olhou para ela cansado e pensou em não dar uma resposta à pergunta zangada e sarcástica de sua irmã, mas mudou de ideia ao ver o semblante dela tão aflito.

- A tigresa foi trazida para o nosso território por um circo de saltimbancos, Mariane. Ele estava realizando algumas apresentações no condado de Leicester, quando o animal rompeu a gaiola de ferro que o prendia e fugiu. O rei foi informado, pelos moradores da região, sobre o desaparecimento de algumas crianças na vila de Waterbury e resolveu averiguar se não havia sido obra do animal fugitivo e, quando adentramos na floresta que circunda a vila, nos deparamos com a perigosa tigresa. Armamos o cerco com as redes e preparamos as armas para abater o animal, mas ele estava ferido e enfurecido e só conseguimos mata-lo ao custo de alguns soldados mortos e vários cavaleiros feridos, incluindo o nosso rei.

- Francamente, tio Jonathan, acho que agora não é a hora apropriada, para ficarmos aqui no átrio, jogando palavras inúteis ao vento, enquanto que o meu pai está ferido e pode inclusive morrer.

Mariane concordou com o filho.

- Você tem toda razão, Edward, ele necessita de cuidados urgentes. Vamos levar o seu pai para o grande salão e colocá-lo sobre a mesa de refeições.

- Por que não levamos o meu pai para os aposentos reais?

- Porque o sangue está começando a engrossar na pele dele, colando nas roupas e vai acabar grudando nos lençóis da cama também. Já vai ser difícil cortar e tirar as roupas dele com esse ferimento sangrando sem parar.

- Ouviram as ordens da rainha, soldados, - falou Jonathan com vigor - vamos levar o rei para a mesa principal do grande salão.

Os soldados ergueram e carregaram o rei até o grande salão, colocando-o com cuidado sobre o tampo da mesa. A rainha cuidadosamente cortou as roupas ao redor do ferimento, que estava localizado entre o quadril esquerdo e a barriga, puxando devagar os pedaços de tecido para ter uma visão mais acurada de sua extensão e profundidade, e ficou mais aliviada ao perceber que ele não havia rompido nenhum órgão vital, apesar de ter esfolado bastante a pele do seu marido. Ela colocou um dos dedos na borda da ferida e apertou levemente, fazendo o rei acordar do entorpecimento causado pelo vinho e urrar de dor.

- Ah, que diabos pensa que está fazendo, mulher? Desejas matar-me de uma vez e ficar viúva?

- Se o senhor não quisesse morrer, então não devia ficar atrás de tigresas. Aliás, se o senhor gosta tanto assim delas, devia ter me avisado antes, pois eu mesma teria esfolado toda a pele do seu corpo com as minhas próprias unhas, poupando-lhe o trabalho de ficar caçando animais perigosos no meio da floresta.

- Pare de falar sandices, mulher! Não arrisquei a minha vida pela emoção da caçada, mas sim para proteger os meus súditos e ao nosso filho. Além do mais - falou James, baixando o tom de voz - a senhora já tem o costume de arranhar as minhas costas à noite, como uma tigresa selvagem, enquanto fazemos amor.

Mariane corou levemente à menção das suas intimidades conjugais com ele e rebateu com raiva, mas falando baixo para que apenas o rei a ouvisse.

- E o senhor tem o desplante de mostrar os arranhões aos seus soldados e cavalheiros, treinando no átrio durante o dia, despido da cintura para cima.

- E quanto maiores forem os seus arranhões nas minhas costas, minha senhora, mais viril eu me torno aos olhos deles...

Ele piscou e sorriu para a esposa que o fuzilou com o olhar. Mariane até compreendia essa necessidade que o rei tinha de autoafirmação, por ser o chefe militar e líder do povo, mas usá-la para sentir-se mais viril diante dos outros homens não a agradava, ainda mais quando ela percebia que as outras damas e as esposas dos oficiais ficavam cochichando pelos corredores do castelo, após terem visto o rei sem camisa. Algumas mulheres até a olhavam com um misto de despeito e inveja, porque ela partilhava a cama com o rei e parecia ter uma vida sexual bem ativa com ele. Mas, por enquanto, ela achou mais prudente esquecer os mexericos da corte e se concentrar no tratamento do marido, pedindo que a Princesa Ellen fosse buscar, juntamente com as criadas, todas as ervas e condimentos que encontrassem na cozinha.

- Qual é a sua verdadeira intenção, Mariane? Temperar-me para a ceia de hoje à noite e servir-me como iguaria principal aos nossos comensais?

- Seriamente, Will, eu não serviria essa sua carne velha e dura aos nossos convivas de maneira alguma. Creio que nem mesmo os cachorros o comeriam. Não é, Wolf?

O grande cão labrador levantou-se, à simples menção de seu nome, e olhou para Mariane. Ele balançou a cauda com alegria e deu dois latidos.

- Talvez eu tenha sido precipitada em meu julgamento, pois, ao que tudo indica, o meu cachorro gostaria de provar o seu sabor.

- Soldados, se esse maldito cão se mover do lugar de onde ele está, podem matá-lo.

A rainha olhou desafiadora para os soldados dentro do salão de refeições e alertou-os:

- E eu matarei o primeiro que ousar olhar torto para o meu cachorro.

Os soldados olharam uns para os outros, saindo devagar de perto da rainha e foram tomar um pouco de ar fresco no átrio, porque eles já estavam fartos de saber que ela tinha um gênio bem difícil, que nem o rei conseguia dominar e, por esse motivo, as brigas entre os dois eram bem frequentes. Ficaram apenas Edward, Jonathan e Ellen, que auxiliava a mãe dela a triturar e misturar as ervas aos condimentos, para depois colocá-los dentro da ferida.

James fazia caretas terríveis de dor e apertava com força a borda da mesa, todas às vezes que a ferida era preenchida com a mistura. Edward fitava o pai com tristeza, receando que ele fosse morrer. O rei notou o olhar abatido do filho e o começo de lágrimas se formando nos olhos dele e sinalizou discretamente para a esposa. Mariane compreendeu a preocupação do marido, ao notar o semblante angustiado do filho, e resolveu reanimá-lo com algumas palavras encorajadoras:

- Acho que eu não tenho boas novas para lhe dar, Edward...

- O que foi? Meu pai vai morrer?

Ele perguntou com o coração aflito e o rosto pálido.

- Não dessa vez, certamente. E a má notícia, filho, é que você terá que esperar mais alguns anos ainda, antes de ser coroado o novo rei.

Edward olhou furioso para a mãe dele e deu um forte chute na cadeira ao seu lado, que tombou ruidosamente no chão, assustando Ellen. Então, ele balançou a cabeça com desgosto e saiu, seguido por Jonathan, que foi tentar aclamá-lo. A princesa decidiu também retirar-se do grande salão, deixando Mariane a sós com o rei.

- O que eu lhe fiz para merecer tanto sofrimento, Will?

James viu o semblante dela ficar abatido e as lágrimas rolaram de seus olhos castanhos.

- Não foi minha intenção deixá-la preocupada comigo, meu amor. Muito menos magoá-la...

Ele levantou a mão direita, num gesto convidativo e Mariane aproximou-se, segurando a mão dele entre as suas. Ela beijou o rosto do marido com carinho e encostou a cabeça no peito largo dele.

- Estou ficando cansada de ficar presa dentro desse castelo sombrio, esperando o senhor voltar das suas aventuras, sem ter a certeza de que o verei vivo outra vez. Lembre-se de que me prometeu envelhecer ao meu lado... pretende não cumprir com a sua palavra, Will?

- Sou um homem honrado e a minha palavra, Mariane, uma vez que eu a empenhei, é sagrada. Só não podia deixar o nosso filho morrer...

- Eu sei que o senhor agiu corretamente, salvando a vida do Edward, mas...

- Mais nada, Mariane. Vamos deixar de dramas que eu não morrerei dessa vez. E quando eu ficar curado, vou recompensá-la com uma semana inteira no "palácio dos prazeres". O que me diz disso?

- Nós já estivemos no palácio dos prazeres na primavera, Will - ela falou com os olhos brilhando, enquanto lembrava dos momentos maravilhosos de prazer que havia compartilhado com o marido.

- E nada nos impede de voltarmos lá novamente. Sou o rei e tenho toda a liberdade de decidir onde, quando e com quem eu irei ao lugar que o meu coração desejar.

- Eu não preciso ser lembrada de que sou casada com o rei.

- Essa é a minha Mariane.

O rei puxou-a com força para junto de si e beijou a esposa com ardor até fazê-la perder o fôlego.

- É melhor o senhor agir com mais cautela ou vai sangrar de novo.

Mariane afastou-se um pouco dele e pegou uma capa de tecido grosso, apoiando com ela a cabeça do marido como se fosse um travesseiro.

- Logo o anestésico que eu lhe dei o fará dormir por algumas horas, e o senhor deve descansar o máximo possível para recuperar as suas forças. Permanecerei aqui ao seu lado para vigiar o seu sono e ficarei alerta, caso a sua temperatura aumente de modo alarmante.

- Não era de uma curandeira que eu precisava, quando me casei com a senhora.

- Mas devia agradecer aos céus, Will, por eu saber como curar as suas feridas.

- Mas eu sou imensamente grato aos céus, Mariane, por você ser a mulher da minha vida...

O ópio que ele tomou, para amenizar a dor, começava a fazer efeito e o rei fechou os olhos devagar, sentindo-os pesar em suas órbitas e adormeceu. Mariane afagou os cabelos dele, relembrando do primeiro encontro que eles tiveram, 23 anos atrás, e de como a vida dela havia mudado radicalmente, desde que se apaixonara pelo pobre vendedor de panelas que apareceu no condado de Eagletown.

Crie seu site grátis! Este site foi criado com Webnode. Crie um grátis para você também! Comece agora